'Ídolos' tenta fundir 'Big Brother' com programa de calouros


Há algo fora da ordem em chamar um programa como Ídolos de "reality show". A atração que a Record apresenta às terças e quartas-feiras à noite parece escapulir às definições do segmento. Menos que realidade, sugere um delírio, uma alucinação coletiva em busca dos 15 minutos de celebridade que o artista plástico Andy Warhol profetizou em 1968.

Na verdade, Ídolos é um híbrido entre atrações como Big Brother e Supernanny e os antigos programas de calouro, que migraram do "vaudeville" e do rádio para a televisão. E, com eles, uma idéia de popular como grotesco, bizarro e risível. Por isso a importância de exibir as performances dos candidatos eliminados, selecionados na base do "quanto mais estranho melhor".

Desde os tempos de Ary Barroso, em seu clássico Calouros em Desfile, as figuras mais simples estão à mercê dos humores do apresentador e dos jurados. É sintomática a presença de candidatos com um visual diferente, seja andrógino, obeso, tatuado ou com ingênuos dreadlocks.

A estrutura do programa expõe ao extremo os aspirantes a ídolo. Não é fácil cantar "a capella", ou seja, sem qualquer acompanhamento instrumental que auxilie o artista no tempo e na dinâmica musicais. A quase totalidade das vozes de Ídolos não são educadas e se arriscavam entre vibratos casuais e uma tediosa brancura. Muitos se destacaram mais pela presença física e desinibição do que pelas qualidades vocais. E, honra seja feita, alguns demonstraram grande expressividade, com muito a dizer.

A avaliação realizada por Paula Lima, Marco Camargo e Luis Calainho beira a mediunidade. Em pouquíssimos compassos, eles são capazes de julgar as características vocais, movimentação em cena e interpretação. Certamente nem todo o processo de seleção chega à TV.

A tentativa de atualizar o programa de auditório parece defasada no que ele representou para o país e no que ele se tornou. Pelo que foi e é mostrado em Ídolos, o melhor da produção e interpretação musical busca outros canais para se mostrar. E nenhum desses concursos ainda apresentou um cantor que tenha emplacado, a despeito dos esforços de produções milionárias.

Nem sempre foi assim. Grandes artistas já saíram dos programas de auditório. Roberto Carlos, Cauby Peixoto, Elza Soares, Agnaldo Timóteo, Raul Seixas, Guilherme Arantes, Gonzaguinha e inúmeros outros se arriscaram diante de júris com personagens igualmente marcantes, do eternamente sisudo pianista Zé Fernandes e da grande cantora Aracy de Almeida - atrás de óculos escuros de assustar - às eternamente benevolentes Marcia de Windsor e Elke Maravilha.
Ídolos aponta para uma nova maneira de exibir calouros na TV. De certa forma, é uma tentativa de se encontrar uma sobrevida para a indústria fonográfica ante o impacto do digital - leia-se pirataria e internet, em sua produção e distribuição. Se vai dar certo, só tempo dirá.
O programa Ídolos vai ao ar na terça-feira, às 23h, e na quarta, às 22h45, na Record.

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